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    Marcelo Zero

    É sociólogo, especialista em Relações Internacionais e assessor da liderança do PT no Senado

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    O Brasil e o Conclave dos Querubins

    "O Brasil não quer romper com ninguém. O problema é que o Ocidente está 'rompendo' com o mundo, complexo e inelutavelmente multipolar", diz Marcelo Zero

    Lula, Vladimir Putin e Joe Biden (Foto: Reprodução | Reuters)

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    A política externa independente do governo Lula parece incomodar os propugnadores da nova Guerra Fria e os warmongers de sempre

    Seus arautos querem impor uma escolha maniqueísta, um falso dilema geopolítico, ao Brasil e aos demais países. Ou se está do lado “bem”, o Ocidente e as “democracias”, ou se está do lado do “mal”, as “autocracias” e os países rivais ou não-alinhados ao bloco ocidental.

    Recentemente, a revista The Economist, por exemplo, afirmou que a política externa de Lula “quer tudo”. Segundo ela, o Brasil quer ser amigo do Ocidente e líder do Sul Global. Quer ser líder ambiental e potência petrolífera. Quer ser propugnador da paz e “amparo de autocracias”.

    Para a The Economist, ainda presa a paradigmas da década de 50 e 60 do século passado, tudo isso é uma contradição. A política externa brasileira tem de ceder ao dilema geopolítico imposto pelo “Ocidente”, visto como uma espécie de conclave de desinteressados querubins Tem de se alinhar com o lado do “bem”. Não pode permanecer em pecado.

    Ora, tanto o Brasil quanto maior parte dos países do mundo não querem saber da nova Guerra Fria, inventada pelos EUA e aliados. Com efeito, essa nova Guerra Fria é uma reação dos EUA, ou especialmente dos EUA, às mudanças geopolíticas e geoeconômicas ocorridas desde o início deste século.

    Com a ascensão de China, Rússia e outros emergentes, a grande competição pelo poder (mundial) - e não o terrorismo – tornou-se o foco principal da segurança nacional dos EUA.

    E quem são os principais “inimigos” dos EUA nessa competição pelo poder mundial? Está lá escrito com todas as letras na Nuclear Posture Review, a nova política nuclear norte-americana, divulgada em fevereiro de 2018: China e Rússia. Eles e eventuais aliados.

    Desse modo, os EUA declararam “guerra” às novas potências emergentes e à progressiva constituição de uma ordem mundial mais equilibrada e multipolar. Querem sua hegemonia absoluta de volta. Querem a restauração geopolítica da antiga ordem.

    Tal restauração está fadada ao fracasso. Não se pode colocar o planeta numa máquina do tempo e fazê-lo retroceder à década de 1990.

    Então, por que o Brasil e os demais países do mundo teriam de se alinhar com essa postura belicosa e coercitiva?

    O que o Brasil teria a ganhar com isso? Nada, absolutamente nada. Ao contrário, teria muito a perder.

    Perderíamos muito, por exemplo, se deixássemos de cooperar ativamente com China, Rússia e muitos países que não são do agrado do bloco ocidental, do conclave dos querubins.

    No ano passado, exportamos US$ 105, 7 bilhões para a China, um recorde absoluto. Foi a primeira vez que exportamos mais de cem bilhões de dólares para um único país.

    Com a Rússia, nossa corrente de comércio foi US$ 11, 4 bilhões, em 2023, outro recorde, apesar da guerra e das sanções. Na realidade, o potencial de expansão das nossas relações econômicas e comerciais com a Rússia e a União Euroasiática é enorme, face às sanções impostas pelo conclave dos querubins àquele país. Há um grande mercado a ser explorado por gente racional e não maniqueísta.

    A Rússia se tornou nosso principal fornecedor de óleo diesel, fertilizantes e outros produtos petroquímicos. Tem gente que não gosta. A Rússia praticamente substituiu os EUA no provimento de óleo diesel para o Brasil. Absolutamente nada contra os EUA. O Brasil está, como vários outros países, como Turquia e Índia, apenas aproveitando os preços baixos da Rússia.

    De outro lado, o grande arcanjo do conclave de querubins não parece muito disposto a cooperar mais ativamente com o Brasil, mesmo em áreas estratégicas e de grande potencial, como a ambiental, por exemplo. A sua doação para o Fundo Amazônia, de apenas US$ 47 milhões, foi um tanto decepcionante, para esfera celestial tão elevada.

    A UE, por seu turno, exige muitas regras para o Brasil e outros países do Sul Global. Emite regularmente bulas papais. O acordo Mercosul-UE não deverá sair, por causa do protecionismo europeu na área agrícola. Não por culpa do Brasil.

    Assim como Índia, África do Sul e tantos outros países do Sul Global, o Brasil quer ter boas relações com o chamado Ocidente. Não quer romper com ninguém. Ao contrário. Temos uma política externa de nítido caráter universalista, pragmático e racional.

    O problema é que o chamado Ocidente está “rompendo” com o mundo de hoje, diversificado, complexo e inelutavelmente multipolar. Quer impor ao resto do mundo um dilema geopolítico inaceitável.

    Está rompendo, na realidade, com o único futuro viável do planeta.

    O futuro pertence à multipolaridade, à cooperação, ao multilateralismo, à paz, às negociações, ao anticolonialismo, ao respeito aos interesses do Sul Global, ao combate universal à fome e às desigualdades, à luta contra as mudanças climáticas, de acordo com as responsabilidades históricas de cada um etc.

    O Brasil está firmemente empenhado na construção desse futuro. Um futuro comum e inclusivo para o planeta.

    Queremos paz, queremos cooperação, queremos uma ordem mundial mais justa e simétrica. Não queremos apostar em sanções e intervenções para resolver os problemas internacionais. Preferimos apostar em negociações, cooperação e numa nova governança global.

    Que mal há nisso? Nada.

    Na realidade, fazemos mais bem ao mundo que o conclave dos querubins.

    * Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

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